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SISTEMA DE FINANCIAMENTO E SEGURO ÀS EXPORTAÇÕES NO BRASIL: EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS

fonte: https://funcex.org.br/info/rbce-146-janeiro-fevereiro-marco-2021/sistema-de-financiamento-e-seguro-as-exportacoes-no-brasil-evolucao-e-perspectivas

Miguel Lins é vice-presidente da Funcex
Mário Cordeiro de Carvalho Junior é economista-chefe da Funcex, professor da FAF/UERJ

A atual crise econômica internacional não decorre, nem de bolha financeira, nem de um risco sistêmico, mas toda crise gera imensas oportunidades. Nesse período de retração econômica internacional, ganhos de mercado podem ser obtidos se os exportadores nacionais souberem deslocar a concorrência internacional, serem competitivos e terem produtividade. Hoje, isso é possível porque ainda é pequena a parcela do market share, do Brasil, na maioria dos produtos exportados em relação ao mundo. Logo, é possível aumentar a parcela do Brasil no mercado internacional se houver identificação de
oportunidades de exportação e fechamento de negócios com compradores internacionais, desde que haja taxa de câmbio e Custo Brasil favoráveis, isenção total de tributos indiretos nas exportações e, sobretudo, adequado financiamento e seguro de crédito às exportações.

Para produzir e embarcar as mercadorias nossos exportadores precisarão financiar o seu ciclo de produção na fase de pré-embarque, ou terão de financiar seus compradores na etapa do pós-embarque. Ou, para alguns produtos, terão de financiar as duas fases de forma conjunta. E, ainda, precisarão mitigar o risco comercial e político por meio de seguros.

Hoje, para os gestores das empresas exportadoras brasileiras, principalmente micro, pequena, e média empresa, um dos maiores desafios para fechar negócios na exportação é superar o acesso ao sistema de financiamento e seguro de crédito às exportações. Nesse contexto, os exportadores, precisam ter “maturidade em gestão financeira internacional” para abrir dados operacionais e contábeis, e expor bons projetos de exportação aos operadores bancários ou do mercado de capitais. Têm de saber que ainda precisam apresentar garantias, que acabam se refletindo no aumento do seu custo
de capital. Vale lembrar que, na maioria das vezes, são os “sócios” das empresas que acabam apresentando garantias reais próprias para obter normalmente financiamento às exportações.

Apesar desses fatos, é preciso reconhecer o papel central dos bancos públicos e privados, nas últimas décadas, ao proverem fontes de recursos em moeda estrangeira ou em reais para viabilizar o acesso ao crédito e ao financiamento às vendas externas das empresas. Importa salientar em termos de análise ao longo do tempo que se faz necessário verificar e identificar as condições de acesso às fontes de recursos, tanto em reais quanto em moeda estrangeira, enfrentadas pelos bancos ligados ao sistema de financiamento às exportações. E, também, verificar que produtos financeiros esse sistema oferta ao exportador. Por sua vez, deve-se analisar o que é demandado em termos de produtos financeiros por parte das empresas que já são exportadoras bem como por aquelas que desejam se inserir no mercado internacional.

Com vistas a aperfeiçoar as condições de acesso ao sistema de financiamento e seguros às exportações, antes da pandemia, a Resolução Gecex nº 12, publicada em 30/01/2020 pela Camex/Ministério da Economia, estabeleceu o mandato e diretrizes para buscar uma reforma do sistema de apoio oficial à exportação concedido pela União. Segundo a
resolução, as diretrizes a serem seguidas são: a) fazer a revisão regulatória dos atos normativos e administrativos, legais e infralegais; b) reduzir a dependência orçamentária do sistema e ampliar a participação do setor privado, e c) aprimorar os mecanismos de governança e gestão de riscos e transparência.

Sem dúvida, essas questões se relacionam ao desenho do sistema de financiamento e seguro de crédito à exportação. Este desenho, como instrumento de política do Estado, vem sofrendo alterações desde os anos 1970 até o momento presente. Tendo em mente compreender, em linhas gerais, a evolução neste período, a seguir são expostos,
sucessivamente, aspectos e traços do desenho de financiamento e seguro de crédito às exportações. Ao final do presente texto são feitas algumas considerações sobre o desenho desejável.

FINANCIAMENTO ÀS EXPORTAÇÕES

A primeira fase de desenho e conformação do sistema de apoio ao financiamento às exportações pode ser estabelecida em 1966, com a edição da Lei 5.025. Esta lei, no seu segundo artigo diz que compete ao Conselho Nacional do Comércio Exterior formular as diretrizes básicas a serem obedecidas na política de financiamento da exportação. E, no seu artigo quarto, que este conselho deveria ouvir o Conselho Monetário Nacional no que compete a estabelecer as bases da política de seguros no comércio exterior.

Vale lembrar que, sob a ótica do regime de comércio, se buscava, entre 1964 e 1966, transitar de um regime de substituição de importação para um regime de promoção de exportação com vistas a mitigar a vulnerabilidade externa do balanço de pagamentos brasileiro. Essa primeira fase se inicia em 1966 com a edição dos Programas Nacionais
de Desenvolvimento até a crise da dívida externa em 1982.

Naquela época havia uma clara divisão e especialização de funções entre o então BNDE, a Cacex-Banco do Brasil e o Banco Central do Brasil (Bacen). Ao primeiro cabia, graças ao acesso de recursos de poupança forçada oriundos do FGTS, financiar a formação e constituição da estrutura industrial brasileira, sobretudo nas áreas de siderurgia, metalurgia, papel e celulose, químico e petroquímica, mineração, entre outros. Por sua vez, cabia à Gefin da Cacex-Banco do Brasil, por meio da sua linha Finex, fazer o financiamento das operações de trade finance de exportação de curto e de longo prazo das empresas exportadoras brasileiras. A fonte dos recursos usados pela Gefin naquele período para financiar as exportações era um tipo derivado da real bills doctrine, em que títulos representativos de exportação eram descontados por essa Gefin junto ao Bacen mediante a chamada “conta movimento que existia entre o Banco do Brasil e o Bacen”.
Cumpre ressaltar que, principalmente após a eclosão da crise da dívida externa, o Bacen, por sua vez, mitigava o risco comercial e político existente naquele período, ao menos na América Latina, com o uso do mecanismo do convenio de créditos recíprocos (CCR), firmado no âmbito da Aladi. Cabia ao Bacen “regular”, e “supervisionar” os acordos de countertrade praticados por empresas brasileiras com o beneplácito da União com países da África e do Oriente Médio. O Bacen também acompanhava e regulava a questão sobretudo de acesso dos bancos nacionais – oficiais e privados – às linhas internacionais de trade finance. Graças a esse acesso, os bancos ofertavam aos exportadores financiamento às vendas externas mediante produtos específicos como Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) ou Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE).

Essas operações eram adiantamentos lastreados em contrato de câmbio ou cambial entregue, que se constituía no “título representativo” do crédito do ponto de vista jurídico. Com a constituição de dois bancos oficiais regionais – o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o Banco da Amazônia (Basa) – foram estabelecidas fontes de recursos com base nos fundos constitucionais para as regiões Norte e Nordeste. Estes, aos poucos começam a financiar as atividades locais para o desenvolvimento regional, voltados tanto para o mercado interno quanto para o externo.

Com a eclosão da crise da dívida externa, em 1982, até o início da abertura comercial em 1990, assiste-se ao segundo período de transformação do sistema oficial de financiamento às exportações. No momento de negociação dos termos do serviço da dívida externa, surge a importância de se conseguir manter as fontes de recursos em moeda estrangeira para assegurar linhas de trade finance para as exportações. Desse modo, em face da escassez de divisas observada naquele período, foi assegurado que os bancos nacionais continuariam a obter linhas de trade finance junto ao sistema monetário
internacional.

O argumento usado pelo governo, então, junto aos credores internacionais era que se desejava e se objetivava pagar a dívida externa mediante a remessa de divisas conversíveis para os credores internacionais, mas para que essas divisas fossem obtidas fazia-se necessário ter linhas de crédito em moeda estrangeira para financiar as exportações nacionais. Criou-se, assim, em função dos diferenciais de juros internos e externos, um mercado “cativo” e “confiável” de linhas de trade finance usadas durante o período de cada ano fiscal-contábil, entre os bancos situados no Brasil e os bancos
situados no exterior. Em momentos eventuais de crises internacionais, esse mercado no Brasil “secava” ou “empoçava” por breves momentos.

Obter divisas era uma prioridade do governo, por isso, a Gefin-Cacex-Banco do Brasil e o Bacen criaram no final dos anos 1970 uma “jabuticaba” no trade finance, que foi a emissão de um título de crédito denominado em moeda nacional pelo Banco do Brasil em favor de bancos localizados no Brasil ou no exterior, em que se asseguraria o pagamento em moeda local do diferencial entre os juros internos e externos para aqueles bancos que financiassem os bens e serviços exportados pelo Brasil. Criou-se assim a equalização do financiamento às exportações.

Dada a extensão mundial da crise da dívida externa daquele período, o Bacen começa a ter que lidar com questões de renegociação da dívida externa, no âmbito do clube de Paris, onde o Brasil aparece, agora, como credor, sendo o caso de Angola o mais emblemático que teve de enfrentar. Isso obrigou a que a área externa do Bacen, além da assunção de risco de seguro via CCR para a América Latina, passasse a olhar para a provisão de linha de financiamento a economias de menor desenvolvimento relativo ao Brasil, aceitando o uso de instrumentos “antigos” como escrow account entre instituições de países distintos. Alguns anos depois da eclosão da crise da dívida externa, com vistas a controlar a expansão monetária, extingue-se a conta movimento do Banco do Brasil-Bacen, único instrumento oficial existente, para oferecer recursos em moeda local para trade finance.

Entre 1988 e o início de 1990 assiste-se ao início da terceira fase da transformação do sistema de financiamento oficial às exportações. De um lado, observa-se a mudança estrutural no Banco do Brasil na medida em que há a extinção da Cacex-Banco do Brasil e a assunção parcial das funções da Gefin-Cacex pela área internacional do Banco do Brasil, mediante a sua gerência de comércio exterior. Como a Cacex foi extinta em 1990, a oferta de trade finance com fontes de recursos em moeda nacional daquele ano até 1993 sofreu retração. Para suprir essa falta, naquele triênio há uma entrada gradual do
BNDES no sistema de financiamento às exportações com base em fonte de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Dada a decisão do BNDES de desenvolver produtos e implantar trade data flow system voltados para a exportação, a Funcex com a equipe de seus pesquisadores junto com ex-funcionários da Gefin-Banco do Brasil apoiam firmemente a implantação da então linha Finamex. Quase simultaneamente, o governo federal cria o Programa de Financiamento
às Exportações (Proex) no primeiro triênio dos anos 1990, agora com base em recursos do orçamento da União, que são disponibilizados em moeda local.

Duas são as modalidades do Proex. O Proex-Financiamento se constitui de recursos orçamentários do Tesouro Nacional que são ofertados às empresas exportadoras por meio de financiamento pré e pós-embarque. Neste caso, o agente da União é o Banco do Brasil, e os recursos tomados pelos exportadores voltam para o orçamento da União, em moeda local ou em divisa estrangeira, após o pagamento e remessa pelo pagamento das exportações pelo comprador internacional.

Na modalidade de financiamento pós-embarque, em tese, a mais usada no Proex-Financiamento, o exportador brasileiro toma recursos em reais junto ao Banco do Brasil apresentando, por exemplo, como garantia uma apólice de seguros que cubra o risco comercial de uma operação de financiamento de um bem. Para o exportador nacional, essa é uma das linhas de trade finance mais competitiva no mercado brasileiro, pois custa um valor de “libor seca ou flat” mais o custo da apólice do seguro.

Do exposto até agora, no tocante ao trade finance, temos aqui que ressaltar o papel central dos bancos públicos – sobretudo o Banco do Brasil – e dos bancos privados para ofertar produtos e linhas de financiamento às exportações. Porém, é preciso lembrar que uma característica implícita ao sistema financeiro é que o mesmo trabalha, de um lado,
sob assimetria e informação incompleta de seus clientes potenciais e efetivos, e, de outro, sob um processo de seleção adversa de projetos de negócios de exportação a serem objetos de financiamento.

Isso talvez venha ocorrendo na linha do Proex-Financiamento. De um lado, sabemos que anualmente o governo disponibiliza recursos orçamentários para essa linha para financiar as exportações, sobretudo das pequenas e médias empresas exportadoras. Esses recursos orçamentários não são plenamente utilizados pelas empresas exportadoras, seja
por desconhecimento, seja por que essas empresas não sabem como propor, submeter, contatar e gerir uma operação de trade finance com recursos públicos.

De outro lado, apesar da dedicação e do apoio das equipes dos bancos oficiais de comércio exterior em identificar potenciais pequenas e médias empresas exportadoras, estas acabam esbarrando com o problema de assimetria de informações financeiras e contábeis que não são abertas pelo exportador, pela inexistência de um credit score para expor a qualidade do exportador, e por não ter em mãos “bons” projetos de exportação para avaliar a concessão de crédito.

Por sua vez, isso não ocorre no caso do Proex-Equalização, pois há uma demanda constante (e crescente) de um conjunto singular de empresas brasileiras exportadoras de porte médio para grande, produtoras de bens manufaturados, com conteúdo tecnológico, e sobretudo com ciclo longo de produção e venda externa. Para essas, em uma negociação internacional, oferecer um financiamento de exportação acima de dois anos com uma taxa que equalize a diferença entre os juros interno e externo significa, para o exportador, em uma negociação direta com o importador, tirar de fato o “Custo Brasil” do ponto de vista financeiro.

Hoje, estamos na quarta fase do desenho do sistema oficial de financiamento às exportações e, em resumo, do exposto até agora pode-se constatar que há um certo tipo de especialização. Em outras palavras, o BNDES é especializado em financiar bens intensivos em tecnologia e serviços com base em recursos do FAT. O Banco do Brasil financia pequenas e médias empresas exportadoras com recursos do Proex-Financiamento; e atende e repassa aos exportadores (e seus bancos) os recursos do Proex-Equalização. Vale lembrar também que nesse desenho, com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o Basa e o BNB estruturaram suas carteiras de projetos de exportação, voltadas para atender aquelas regiões.

Isso tudo facilita uma maior capilaridade do sistema de financiamento oficial às exportações brasileiras. Mas, com a decisão do Ministério da Economia em reanalisar o desenho do sistema de financiamento oficial das exportações, faz-se necessário indagar prospectivamente qual o desenho “desejável” para inserir as empresas exportadoras no “novo” sistema, “identificar” novas fontes de recursos públicos e privados para financiar as exportações e, sobretudo, enfrentar a questão do seguro de crédito às exportações.

SEGURO DE CRÉDITO ÀS EXPORTAÇÕES

Conforme exposto anteriormente, com a edição da Lei 5.025, em 1966, cabia ao Conselho Nacional do Comércio Exterior estabelecer as bases da política de seguros no comércio exterior, ouvido o Conselho Monetário Nacional. A questão de garantias a serem dadas para se obter financiamentos entre bancos, de um lado, e exportadores, do outro, já tinha um histórico formado. De fato, bancos ofertam ACC, e o contrato de câmbio na legislação brasileira é título de crédito passível de ser aceito entre as partes credoras e devedoras. Na falta de identificação clara dos riscos, se exigia alguma garantia real.

Com a legislação cambial vigente à época, e ainda válida hoje, no caso de não performance de um ACC, sobre o mesmo incidem multas e juros por ter utilizado um recurso em moeda estrangeira convertido em moeda nacional. Um simples não
pagamento internacional ou de um default, que resulte numa iliquidez momentânea por parte do exportador, pode virar uma situação de insolvência na atividade exportadora. Por ser um título importante em situações de touraround, de regime de recuperação judicial ou extrajudicial, de falência, ainda existe no mercado brasileiro de crédito uma tendência a se
continuar usando esse título, pois se assegura, um valor “justo” ao capital do credor e se reduz margens de negociação entre credor e devedor, visto que as multas de não performance devem ser recolhidas ao Bacen. Talvez as multas do Bacen venham a ser aliviadas agora, em 2021, com a nova a lei cambial aprovada recentemente pelo Congresso Nacional. A consequência disso, em parte, no desenho do sistema de seguro e garantias às exportações é que na operação de pré-embarque típica de ACC quase não há opções de “seguros”, sendo solicitadas quase sempre garantias reais para amparar o risco de performance das empresas.

Por outro lado, no bojo do primeiro choque do petróleo, em 1973, com vistas a reduzir o viés contra as exportações, fruto da prevalência à época da política de substituição de importações, o governo Geisel incentivou fortemente as exportações de então mediante a oferta de financiamento à produção e ao comprador internacional via Fundo de Financiamento às Exportações (Finex). E, na ocasião, surge a necessidade de dotar o governo com um instrumento de Estado para ofertar seguro de crédito à exportação. Naquela época, o desenho proposto por uma ala do governo foi o de criar uma instituição seguradora, capaz de gerir tanto o seguro quanto as garantias às exportações. Contudo, o tamanho em termos de pessoal da instituição estatal proposta à época pela então ala militar entrou em choque direto com a tecnocracia que comandava o comércio exterior. O resultado é que a ideia foi arquivada, e não saiu do papel. Por sua vez, na época a necessidade de seguro às exportações era minimizada pelo maior uso do convênio de créditos recíprocos da Aladi, gerido pelo Bacen, sendo essa região o principal destino das vendas externas de manufaturas de longo ciclo de produção, que sempre demandaram historicamente seguros às exportações.

Com a extinção do Finex e da Cacex, em 1990, e também com a não convalidação dos incentivos fiscais e financeiros às exportações que deveria ter sido feita logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, surge a discussão de se encontrar novas fontes de financiamento e de seguro de crédito às exportações nacionais.

De fato, discute-se naquele período a questão de seguro de crédito em termos de instituição; razões econômicas e fundo garantidor com respectiva fonte de recurso. Apesar do esforço e da decisão de governo de criar a Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE), a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) e o Fundo de Garantia à Exportação (FGE), o seguro às exportações ainda não se tornou de fato um instrumento de Estado, mas sim de governo(s).

Com relação ao FGE, sua criação por lei, sua dependência de fontes do orçamento da União, e seu aporte de recursos dependem do crivo do Congresso Nacional, e da importância que as exportações nacionais (financiamento e garantias) têm nas prioridades de alocação anuais ou plurianuais nos recursos orçamentários da União. E, no caso de sinistros decorrentes de vendas externas, há problemas de administração tributária que dificultam o pronto uso do FGE, o que cria incerteza com relação a eficácia, eficiência e efetividade do instrumento.

Apesar disso, o principal problema observado desde 1997 é o de governança e de “diretrizes” de gestão da instituição de seguro de crédito às exportações. Na época da SBCE, dada a pouca ingerência governamental, a análise de riscos comerciais e políticos era feita pelo sócio majoritário, que era oriundo da França. Por sua vez, na época da ABGF, pode-se dizer que as operações de longo prazo – acima de dois anos – foram impactadas pelos riscos comerciais e políticos dos projetos de exportação. O atual governo ao abrir, mediante a Resolução Gecex nº 12, o mandato e as diretrizes para a reforma do sistema de apoio oficial à exportação concedido pela União mostra e informa que o seguro de crédito é importante peça para a política, e sua necessidade está dada e mantida. Contudo, o que difere o momento presente do passado, é que já há no Brasil seguradoras internacionais e, talvez, algumas nacionais que estejam ou queiram operar nos seguros e garantia às exportações.

Do ponto de vista estratégico, o interessante no momento atual é que na área de seguros comerciais para pós-embarque até dois anos, há empresas internacionais ofertando apólices ao mercado para as pequenas e médias empresas exportadoras. Na prática, esse “produto” é apropriado sobremaneira para as operações de financiamento pós-embarque. Em outras palavras, as empresas seguradoras que atuam e ofertam produtos no Brasil sabem, conhecem, avaliam e precificam os riscos dos compradores internacionais. Ou seja, têm informação e um tipo de credit score do cliente ou comprador internacional.

Isso significa que não se tem ainda conhecimento, informação, avaliação e um trade score acerca da capacidade de performance do exportador nacional. Ou seja, na fase de pré-embarque há uma “falha de mercado” visto que quase não existe capacidade de avaliação de histórico de performance exportação, nem um fundo de aval ou um fundo de first loss para incentivar o uso de financiamento e seguro por parte dos exportadores, notadamente o micro, pequeno e médio exportador. Aliás, o Sebrae oferta o seu Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampi) – para ser usado nas exportações. E, apesar de as normas do Proex explicitarem que nas propostas de financiamento abaixo de U$ 50 mil se possa exigir outras garantias que não seguro, carta de crédito ou garantia real, ainda estão aquém a estruturação de operações de financiamento às exportações amparadas pelo Fampi.

Do exposto, o atual desenho do sistema de seguro de crédito às exportações é “quase completo” no que tange à presença de instituições que queiram operar riscos comerciais – de até dois anos. Mas, o sistema é incompleto no mercado de informações, pois não tem ainda critérios e formas de revelar a performance e a capacidade do exportador nacional
em produzir e colocar a mercadoria livre e desembaraçada no porto, e assim estabelecer um tipo de trade score, e, daí relacioná-lo ao risco comercial do cliente estrangeiro. Essas informações são fundamentais para a eficácia, eficiência e efetividade de ter “seguros” que cubram o mercado de financiamento de pré e pós-embarque.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com vistas a estruturar o novo sistema de seguro de crédito à exportação podem-se desenhar três cenários, a saber:
a) o primeiro, derivado das leis existentes, o Ministério da Economia à luz da recomendação do Tribunal de Contas da União, fazer uma licitação pública – nacional ou internacional – para a escolha de uma nova operadora do FGE, que já opere em território nacional ou que queira vir a operar aqui no Brasil;

b) o segundo é que para o cenário (a) ocorrer deveria haver um road show apresentando o mercado brasileiro de modo a incentivar a vinda de players internacionais de seguro comercial e político para o mercado brasileiro que poderiam contar com o apoio das agências de fomento às exportações e investimento nacionais; e c) no caso de desinteresse dos players atuais e potenciais no Brasil e no exterior em atuar em riscos políticos e comerciais de curto e longo prazo, talvez se torne clara a necessidade de se ter uma instituição pública para gerir os riscos políticos, e o prudente seria buscar reestruturar a ABGF, compor uma nova equipe com um tipo misto de funcionários dos bancos oficiais que atuam no financiamento às exportações, e buscar atrair para o seu board os grandes bancos nacionais operadores em câmbio e financiamento, bem como algumas instituições de resseguro. Aliás, no caso do Brasil, este último tipo de instituição é o mais apropriado para corrigir a falha no mercado de informações para estabelecer um trade score e precificar riscos nas fases de pré e pós-embarque.

No tocante ao sistema de financiamento às exportações, uma possível solução para o problema de assimetria de informação e seleção adversa para se ter “bons” projetos de exportação deve ser buscada na Índia. Lá, já há plataformas que recebem pleitos de financiamento por parte das pequenas e médias empresas. Estas fazem uma análise prévia do pedido com base em uma cesta de produtos financeiros. A partir dessa análise é feito um rating facilitando a abertura dos dados das operações empresariais que são difíceis de serem obtidos e revelados pelas empresas. Ou seja, mediante uma plataforma de negócios de financiamento às exportações busca-se reduzir o problema de assimetria de informação e seleção adversa implícitos no acesso a financiamento às exportações das Pequenas e Médias Empresas (PMEs).

Por sua vez, a plataforma pode encaminhar os pleitos e negociar com os bancos as condições de acesso eventual ao financiamento. Vale ainda assinalar que, no Brasil, essas fintechs poderiam ser constituídas a partir da estruturação de fundos de investimento, lastreados, por exemplo, por notas de exportação, cédula de produtor rural para exportação, e títulos de factoring. Em ambos os casos haverá supervisão do Bacen, e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quando se aplicar. E, o melhor é que as empresas pequenas e médias exportadoras terão formas de acesso às exportações, compostas por fontes públicas e privadas.

Pode-se concluir que, hoje, há fontes em moeda nacional e estrangeira, com custos próximos quando se olham as taxas de juros internas e externas que podem servir de lastro para financiar, e constituir fundos de aval ou de first loss para as operações de seguro de exportações. Com essas fontes de recursos podem-se desenhar novas formas de operações estruturadas de financiamento às exportações para atender aos objetivos e interesses, tanto dos exportadores, quanto dos bancos privados e oficiais. Do exposto ao longo do presente texto constata-se que as sugestões de ações aqui aventadas, caso venham a ser implementadas, podem assegurar e viabilizar que o setor privado possa assumir um papel de maior destaque na oferta de financiamento e seguro de crédito às exportações.