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Inadimplência bate no contas a receber

Após ter batido nos balanços dos bancos no ano passado, a inadimplência corporativa está chegando com maior intensidade ao crédito mercantil aquele representado pelas compras a prazo que as empresas fazem de seus fornecedores de insumos e mercadorias. É o que apontam as seguradoras que trabalham com apólices de crédito, que cobrem justamente o calote de uma empresa em seu fornecedor.

A restrição do crédito bancário, o crescimento econômico vacilante (o que frustra a geração de receita das empresas) e a inflação alta formam o pano de fundo que, agora, tem deteriorado a linha do balanço “contas a receber” de empresas fornecedoras.

“Os principais fatores macroeconômicos da inadimplência corporativa são crescimento, com uma correlação negativa, quanto menor o crescimento, maior a inadimplência; e a inflação, com uma correlação positiva, ou seja, quanto maior a inflação, maior a inadimplência”, diz Daniel Nobre, diretor comercial da Coface, maior seguradora de crédito em operação no país. “Num cenário como o atual, de baixo crescimento e alta inflação, temos um ambiente duplamente passível de deterioração, o que já é sentido”, diz.

O mercado de seguro de crédito ainda é muito pequeno no país quando comparado ao da Europa, onde o segmento é bastante desenvolvido. No entanto, pode ser um termômetro do comportamento do crédito mercantil, uma vez que não há indicadores que meçam esse segmento importante para o financiamento das empresas.

De Janeiro a Maio, o volume de indenizações pagas pelas seguradoras a empresas com pagamentos a receber em atraso no país cresceu 260,3% em relação ao mesmo período de 2012, somando R$ 73,5 milhões, segundo os últimos dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Já o faturamento, no mesmo período, cresceu 8%, para R$ 87,2 milhões.

A tendência é que o volume de indenizações cresça nos próximos meses. Desde Maio, a Coface, que tem cerca de 50% do mercado de seguro de crédito interno, tem recebido um volume crescente de “avisos de sinistro”, quando o cliente avisa que um pagamento a receber está atrasado e, a partir daí, a seguradora tem até 180 dias para tentar recuperar o crédito antes de pagar a indenização.

Já Hugo Carson, gerente de crédito da AIG no Brasil, tem observado um maior volume de avisos de renegociações de dívidas e pedidos de extensão de prazos para pagamentos, o que pode ou não virar avisos de sinistro e, posteriormente, indenizações.

Cerca de 80% das transações comerciais dependem de aprovação de crédito entre as empresas, segundo estimativas do HSBC, que lançou um produto de seguro de crédito no fim do ano passado em parceria com a seguradora Euler Hermes. “Em momentos de incertezas como este, as áreas de crédito das empresas ficam mais seletivas e o seguro ajuda a aprovar ou manter essas linhas de créditos com mais facilidade”, diz Ayres Brandão, superintendente-executivo de seguros e investimentos do HSBC.

Diante desse cenário de maior percepção de risco, as seguradoras têm observado o aumento da procura pelo seguro de crédito. “O que temos visto aqui na AIG nos últimos 6 meses é o crescimento da procura em 25%. O aumento da inadimplência tem feito as empresas buscar proteção para suas carteiras de recebíveis”, afirma Carson. Na Coface, a procura pelo seguro aumentou 35% na primeira parte do ano.

O diretor da Coface conta que no ano passado o aumento da inadimplência começou a ser visto em alguns setores, principalmente nos da indústria de base, que são mais sensíveis ao desempenho da economia. Neste ano, com o aumento mais acentuado da inflação, o setor varejista começa a sofrer.

“As famílias já estavam com um nível de endividamento alto, o que compromete parte da renda. Agora com a alta dos preços, a renda disponível para pagar o serviço da dívida diminui ainda mais”, diz Nobre. “E isso bate no varejo, nos setores mais ligados ao consumo das famílias.”

Já no agronegócio, um dos segmentos mais afetados é o de avicultura, uma vez que a quebra de safra de milho nos Estados Unidos fez o preço da alimentação animal subir e pressionar as margens.

“O agronegócio tem muita sensibilidade ao crédito bancário, pois costuma ser o primeiro setor para o qual os bancos restringem o crédito e o último a voltar”, diz Nobre. Segundo ele, a inadimplência nesse setor costuma ser mais severa, pois é uma indústria de empresas de médio e grande portes.

 

Fonte: Valor Econômico / Thais Folego – 23.07.13